quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Icarus

- papa uniform juliet lima delta, autorizada decolagem imediata!

Estendo a mão para a manete de potência... aquele movimento firme até o fim.  Ouço o motor acordando... a pressão no assento, a pista começa a correr.

Olho para o lado e ali, ao lado da pista, está uma enorme fila de pioneiros acenando para mim, cada um com um largo sorriso no rosto.  Ícaro.  Da Vinci.  Santos Dumont.  Orville Wright.  Charles Lindbergh.  Amelia Earhart.  Chuck Yeager.  E tantos outros que não consigo mais reconhece-los.

A máquina parece mais ansiosa do que eu para deixar o solo.  Nem preciso puxar, ela sai do chão, o nariz levanta... somos livres!  Livres como todos esses pioneiros sonharam um dia.

Curvo para a proa desejada, e o céu gira ao meu redor.  A majestade do dia começando.  O sol mal nasceu, o horizonte está em fogo.  Uns poucos cirrus, bem lá no alto, tingem o céu de vermelho.

Ao meu lado, minha melhor amiga e companheira de viagem (esta e aquela maior, a Vida) sorri em silêncio.  Ela sente, como eu, a reverência a este ambiente celeste.

A máquina sobe como se quisesse alcançar o Sol, e como Ícaro derreter suas asas de cera.  Tenho que segurar seu ímpeto e estabilizar no nivel correto.

O motor caiu para um ronronar suave.  Parece satisfeito, contente de estar aqui.  O ar frio, o céu limpo, a visão do mundo passando abaixo de nós.  Não me parece estranho que em tantas culturas diferentes o céu seja o lugar dos deuses.  Nossa recompensa após a vida.

Relaxo curtindo o vôo.  Só quem voa conhece aquele relaxamento atento (parece incoerente, não?).  Você está relaxado, curtindo a vista e a sensação do vôo.  Mas qualquer grau de diferença na proa já é corrigido antes que você tenha consciência do que fez.  Qualquer diferença de meio tom no ronronar do motor e você corrige a manete sem nem notar.  Os olhos, curtindo toda a paisagem, ainda assim capturam qualquer variação anormal no painel.

E ainda tem gente que tem medo de voar... medo do paraíso???

- controle Rio, papa uniform juliet lima delta ingressando na terminal conforme plano
- juliet lima delta, mantenha corredor visual a dois mil pés
- ciente, manterá dois mil pés, lima delta
. . .
- juliet lima delta, chame torre sierra bravo juliet romeu em uno uno oito decimal quatro zero
- ciente, uno uno oito decimal quatro zero, obrigado e bom dia, lima delta livrando frequência
- torre sierra bravo juliet romeu, aqui papa uniform juliet lima delta ingressando no circuito
- juliet lima delta, pista em uso dois zero, autorizado o pouso
- ciente, pista dois zero para pouso, lima delta


A alegria do breve reencontro com os amigos se mistura com a tristeza do fim do vôo.  Deixar o céu.  Voltar ao mundo dos que não têm asas.

Tocamos o solo, o controle solo nos orienta, taxiamos para o pátio.

Ao fundo, junto ao terminal, os amigos nos acenam, alegres.

Junto a eles, vejo novamente os largos sorrisos.  Ícaro.  Da Vinci.  Santos Dumont.  Orville Wright...

Obrigado a essa longa fila de pioneiros que tornaram tudo isso possível.

Um comentário:

  1. Como se não bastassem todas as suas qualidades, descubro agora um prosopoeta. Emocionante!!

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